Clipping - Gilmar manda soltar Côrtes
O Globo / País
09/02/2018
Procurador da Lava-Jato critica: ‘Se quem desvia milhões e obstrui Justiça é solto, ninguém devia estar preso’
O ex-secretário de Saúde do Rio Sérgio Côrtes deixou a
Cadeia Pública José Frederico Marques, em Benfica, na Zona Norte do Rio, às
15h36m de ontem, após decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Gilmar Mendes. Agora solto, Côrtes não poderá sair do país e terá de cumprir
recolhimento domiciliar durante a noite. O ministro decidiu pela soltura do
médico em uma extensão do habeas corpus concedido em dezembro por ele ao
empresário do setor de saúde Miguel Iskin, acusado de pagar propina ao
ex-secretário.
Ao justificar sua decisão, Gilmar Mendes escreveu que não
há “indicação de elementos concretos (...) incidentes a ponto de ensejar o
decreto” da prisão preventiva, determinada pelo juiz Marcelo Bretas, da Justiça
Federal no Rio, em abril do ano passado.
Côrtes saiu do presídio pela porta da frente, carregando
uma mochila em um dos ombros e segurando um papel. O carro em que o
ex-secretário deixou o presídio, um Kia Sorento preto, parou na porta da cadeia
e primeiro entraram três advogados. Em seguida, Côrtes deixou a penitenciária e
entrou no banco de trás do veículo. Parentes de presos que estavam na porta da
cadeia gritaram palavras de ordem contra ele. O carro arrancou ainda de porta
aberta, e o ex-secretário não falou com os jornalistas.
O ex-secretário foi preso na Operação Fatura Exposta,
desdobramento da Lava-Jato no Rio. Tratado como “menino de ouro” pelo
ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) — que já esteve preso em Benfica, mas foi
transferido para o Paraná após denúncias de regalias —, Côrtes participou de um
esquema de corrupção que desviou cerca de R$ 300 milhões da Saúde do Rio
durante um período de 12 anos, segundo o Ministério Público Federal (MPF).
Côrtes virou alvo da Lava-Jato após a delação premiada de
um ex-aliado, reforçada por gravações entregues às autoridades. O ex-secretário
é réu em três processos. Um deles por obstrução à Justiça e dois por corrupção
passiva — um por ter, segundo o MPF, recebido propina de Iskin e outro por ter
recebido vantagem indevida do empresário Arthur Cesar de Menezes, o Rei Arthur,
que está foragido.
Integrante da força-tarefa da Lava-Jato, o procurador
regional da República José Augusto Vagos criticou a decisão de Gilmar Mendes:
— Temos visto decisões do ministro que talvez não estejam
avaliando todas as circunstâncias que envolvem alguns dos acusados na Lava-Jato
no Rio, decisões que, em verdade, fundamentariam qualquer soltura, desde um
ladrão de galinhas até um corrupto que desvia milhões da Saúde. Os acusados que
ele tem beneficiado são os mais importantes na estrutura criminosa que deixou
de joelhos o Rio.
O procurador lembrou que todas as instâncias anteriores
mantiveram o ex-secretário preso:
— Inclusive, Côrtes foi acusado de obstrução da Justiça. Se
quem desvia milhões da Saúde pública e ainda obstrui a Justiça tem o direito a
responder ao processo em liberdade, então ninguém mais deveria estar preso
preventivamente no Brasil.
A defesa do ex-secretário afirmou que “solicitou à Justiça
Federal do Rio, independentemente da remição da pena, autorização para que
Côrtes continue prestando atendimento médico aos detentos do presídio de
Benfica, como vinha fazendo durante o período de detenção, por entender que a
suspensão desse trabalho traria prejuízos aos internos da unidade”.
De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária
(Seap), Côrtes disse que já fez mais de oito mil atendimentos na cadeia onde
estava preso. A quantidade de consultas, uma média de 36 por dia, era
controlada pelo próprio médico, que encaminha relatórios mensais à direção do
presídio, nos quais discrimina os nomes dos presos atendidos.
Foi o ex-secretário quem entrou com o pedido para que pudesse exercer o seu ofício atrás das grades. Côrtes atendia desde casos simples, ambulatoriais, até mais graves, como presos baleados ou emergências psiquiátricas.
BRETAS LIBERA CAVENDISH DA PRISÃO DOMICILIAR
O ex-secretário de Saúde aparece nas famosas fotos de uma
comemoração em Paris que ficou conhecida como “Farra dos Guardanapos” ao lado
de Cabral. Quem também está nas imagens e foi beneficiado por uma decisão do
Judiciário ontem é o empresário Fernando Cavendish, exdono da empreiteira
Delta.
O juiz Marcelo Bretas revogou a prisão domiciliar do
empresário após o Ministério Público Federal (MPF) se manifestar a favor da sua
liberação. Para pedir o fim da prisão domiciliar, a defesa alegou que Cavendish
vinha “adotando postura amplamente colaborativa, reafirmando o desejo pela
regular conclusão do processo-crime”.
Na decisão, o juiz salienta que, em seu interrogatório, o
réu confessou a prática das atividades ilícitas descritas na denúncia. Em
depoimento a Bretas, em agosto do ano passado, o ex-presidente da Delta
Construções afirmou que o ex-governador Sérgio Cabral pediu propina para que a
empreiteira pudesse participar do consórcio que faria a reforma do Maracanã
para a Copa de 2014.
Cavendish responde a dois processos na 7ª Vara Federal
Criminal do Rio. Um é sobre a Operação Saqueador. A investigação apontou que os
envolvidos, “associados em quadrilha”, usaram empresas fantasmas para
transferir cerca de R$ 370 milhões, obtidos pela Delta direta ou indiretamente,
por meio de crimes praticados contra a administração pública, para o pagamento
de propina a agentes públicos.
O outro processo de Cavendish, em que Cabral também é réu,
é sobre fraudes nas licitações para a reforma Maracanã e para as obras de
urbanização do programa PAC das Favelas, além do superfaturamento e da formação
de cartel para obras públicas estaduais financiadas pela União.