Clipping - Mulheres são mais fortes, diz pesquisa
O Globo / Sociedade
16/01/2018
Mulheres
conseguem sobreviver melhor a eventos extremos, como fome e epidemias
Um estudo publicado por universidades dos Estados Unidos e
da Dinamarca confirmou o que muitas mulheres já sabiam: o sexo feminino é mais
resiliente, ou “forte”, do que o masculino. Os pesquisadores avaliaram sete
períodos da História, desde o século XVIII, em que determinadas populações
passaram por grandes fomes ou epidemias que levaram a uma altíssima taxa de
mortalidade. A conclusão foi que esse efeito foi maior entre os homens, que em
média morreram ainda mais precocemente nessas situações.
Não é novidade que as mulheres, em média, têm expectativa
de vida maior. No entanto, o que surpreendeu os pesquisadores foi que, nesses
cenários extremos, onde ambos os sexos tiveram suas condições de vida igual e
gravemente afetadas, ainda assim elas tinham mais chance de sobreviver: em
média, a vida das mulheres se estendia entre seis meses e quatro anos mais do
que a dos homens.
Publicado na revista científica “PNAS”, o estudo reuniu
dados de sete grupos de pessoas para quem a expectativa de vida era de 20 anos
de idade ou menos. Isso aconteceu com as populações de Suécia, Irlanda e
Ucrânia, que passaram por épocas de fome nos séculos XVIII, XIX e XX,
respectivamente. Também foi registrada uma drástica alta na mortalidade da
Islândia durante as epidemias de sarampo de 1846 e 1882. Por fim, foram
avaliadas as taxas de sobrevivência durante a formação da Libéria, país fundado
por ex-escravos dos EUA, e durante a escravidão na ilha de Trindade, ambos no
início do século passado. Não foram avaliados períodos de guerra, em que homens
eram mais expostos a riscos.
BEBÊS SÃO A CHAVE PARA ENTENDER
A principal pesquisadora do estudo, Virginia Zarulli, do
Instituto de Saúde Pública da Universidade do Sul da Dinamarca, atribuiu a
diferença de expectativas de vida entre os gêneros não apenas a fatores
sociais, mas também a fatores biológicos. Ela destaca que esta é a grande
novidade trazida pela pesquisa.
— Foi surpreendente constatar que a maior parte da vantagem
feminina se deveu a diferenças na taxa de mortalidade entre bebês: as
recém-nascidas meninas puderam sobreviver a condições adversas melhor do que os
bebês meninos — conta a estudiosa.
As meninas nascidas durante a grande fome de 1933 na
Ucrânia, por exemplo, viveram em média até 10,85 anos de idade, enquanto os
meninos viveram até os 7,3 anos. Outro caso, ainda mais drástico, foi o da
Libéria. Os escravos libertos nos EUA experimentaram as piores taxas de
mortalidade já registradas no mundo. Mais de 40% dos realocados no país
africano morreram já no primeiro ano após a chegada, provavelmente por doenças
tropicais. Entre 1820 e 1843, ao nascer, a expectativa de vida para os meninos
era de apenas 1,68 ano e, para as meninas, de 2,23 anos.
Esses resultados sustentam a visão de que há elementos
biológicos — mais do que ambientais ou sociais — para ajudar a explicar a
vantagem das mulheres no quesito sobrevivência.
Virginia Zarulli traz duas hipóteses para entender esse
cenário: uma relacionada à genética e outra, aos hormônios. Ela afirma que o
fato de as mulheres terem dois cromossomos X tende a diminuir os riscos sobre a
saúde delas.
— De forma resumida, se, por acaso, ocorre uma mutação ruim
em um cromossomo X, as mulheres têm outro X que pode compensar, parcial ou
totalmente. Enquanto isso, os homens não têm essa possibilidade, porque possuem
apenas um cromossomo X e um Y — aponta.
O hormônio estrogênio, característico do sexo feminino,
também poderia ser responsável por uma maior resiliência. Ele é considerado um
protetor dos vasos sanguíneos e defesa contra uma série de doenças.
— A testosterona, o hormônio masculino mais proeminente,
aumenta o risco de várias condições fatais. Além disso, ele está na origem de
comportamentos imprudentes, mais típicos dos homens, e que aumentam o risco de
mortes acidentais e violentas — afirma Virginia.
De fato, a violência é a principal causa de morte entre
homens jovens no Brasil atualmente. Os dados mais recentes do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que as mortes violentas
entre homens de 15 a 24 anos cresceram 4,6% em 2016, em relação ao ano
anterior.
No mesmo intervalo, as mortes por causas violentas entre
mulheres da mesma faixa etária recuou 2,7%. Em 2016, um homem de 20 anos tinha
onze vezes mais chance de não completar os 25 anos do que uma mulher.
A pesquisa do IBGE considerou mortes violentas aquelas
relacionadas a causas externas como acidentes de trânsito, afogamentos,
suicídios, homicídios e quedas acidentais.
FATORES SOCIAIS NÃO EXPLICAM TUDO
O doutor em
demografia José Eustáquio Alves destaca que, em todas as sociedades, nascem
mais meninos do que meninas. No entanto, já nos primeiros anos de vida, morrem
mais crianças do sexo masculino do que do feminino.
— Esta ainda é uma questão difícil de explicar — comenta
ele, que também é professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas do
IBGE. — O normal, em qualquer população ao longo da História, é nascer entre 3%
e 5% mais homens do que mulheres. Não sabemos exatamente o porquê, mas este é
um dado constatado. No entanto, mais meninas do que meninos sobrevivem aos
primeiros anos de vida.
Alves ressalta que os fatores sociais e ambientais ajudam a
entender a maior expectativa de vida das mulheres na fase adulta, mas não na
primeira infância. Sabe-se que, em média, as mulheres têm mais cuidado com a
alimentação, vão ao médico com mais frequência e se envolvem menos em brigas.
Porém, nada disso se aplica a recém-nascidos.
— O fato de, entre as crianças ainda muito novas, as
meninas terem mais chance de sobrevivência do que os meninos evidencia que há
algo de biológico por trás disso — analisa.
Ele explica que é difícil mensurar fatores biológicos:
— São mais difíceis de medir do que fatores sociais ou
ambientais. Seria preciso fazer testes de laboratório, como se faz com
camundongos. Mas ninguém vai fazer isso com seres humanos, claro. Então é
preciso fazer pesquisas análogas. Foi o que esse estudo fez: concentrou-se em
sete casos de séculos e países diferentes e de períodos de altíssima
mortalidade, em que não existia tanta influência social sobre os gêneros, e
analisou as taxas de sobrevivência. Conseguir chegar ao resultado que eles
chegaram foi importante — considera Alves.
Para o presidente da Associação Brasileira de Estudos
Populacionais (Abep), Ricardo Ojima, a divisão das atividades segundo o gênero
também pode ajudar a explicar por que meninas e mulheres têm mais chance de
sobrevivência.
— As meninas são mais ensinadas a se preocuparem com
cuidados domésticos e a se manterem na retaguarda, enquanto os meninos e homens
são incentivados a se exporem mais a riscos — comenta ele, que é professor de
demografia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Mesmo em cenários extremos de pobreza ou doença, elas
viviam, em média, de seis meses até quatro anos mais do que eles