Clipping - Estado da Saúde se agrava
O Globo / Rio
05/01/2018
Crise ameaça vagas em hospitais de Uerj e UFRJ
A falta de condições de ensino nos dois principais
hospitais universitários do Estado do Rio, o Clementino Fraga Filho ( UFRJ) e o
Pedro Ernesto ( Uerj), levou o Ministério da Educação a proibir o ingresso de
novos médicos residentes nas duas instituições. Segundo o MEC, por causa da
crise, a formação de futuros profissionais está comprometida pela falta de
insumos, pela diminuição do número de procedimentos cirúrgicos e de leitos, por
atrasos nos pagamentos de bolsas e pela redução do corpo clínico e de
enfermagem. Por causa da medida, a Uerj cancelou o concurso de seleção marcado
para o próximo dia 13. No Clementino Fraga, o início das atividades dos
residentes já aprovados depende de resultado de vistoria. A suspensão deve
impactar diretamente no atendimento à população.
A crise financeira que já vinha afetando o atendimento
médico à população do estado agora ameaça a formação de novos profissionais da
saúde. Alegando “falta de insumos, diminuição do número de procedimentos
cirúrgicos e de leitos, atrasos nos pagamentos de bolsas e redução do corpo
clínico e de enfermagem”, entre outros problemas, o Ministério da Educação ( MEC)
colocou “sob diligência” os dois maiores programas de residência do Rio de
Janeiro. A medida obrigou a Uerj a suspender um concurso de seleção para 227
vagas no Hospital Universitário Pedro Ernesto marcado para o próximo dia 13. No
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ, as provas já foram
realizadas, mas o início das atividades para 180 novos residentes, programado
para março, depende do resultado de uma vistoria, que deverá ser realizada este
mês.
Se o Clementino Fraga Filho não for aprovado pela Comissão
Nacional de Residência Médica ( CNRM), todos os seus 350 residentes terão que
ser realocados em outros hospitais universitários. O mesmo pode acontecer com
os 420 que estão se especializando no Pedro Ernesto.
Provavelmente, eles precisariam ser mandados para fora do
estado, porque o Rio não tem programas de residência para absorver esse volume
de médicos que estão se especializando. O Pedro Ernesto e o Clementino Fraga
Filho têm quase 20% do total de residentes do estado, cerca de 4.100 — alerta
Francisco Coelho, presidente da Associação dos Médicos Residentes do Estado do
Rio, acrescentando que a decisão do MEC pode causar grande impacto no
atendimento à população: — Teoricamente, os pacientes não deveriam depender da
força de trabalho dos residentes, mas certamente serviços serão suspensos se
eles saírem.
—
PROVA REMARCADA PARA FEVEREIRO
Segundo o MEC, a suspensão do ingresso de novos residentes
nas duas unidades de saúde foi motivada por falta de condições adequadas de
ensino. Em nota, o ministério destacou que, após receber denúncias de
residentes, a CNRM fez vistorias no Pedro Ernesto e no Clementino Fraga Filho,
também conhecido como Hospital do Fundão, no ano passado. De acordo com o
reitor da Uerj, Ruy Garcia, o cenário encontrado pela comissão é fruto da falta
de repasses de verbas e dos constantes atrasos nos pagamentos de salários. A
instituição já recorreu da decisão e marcou uma nova data para a prova de
residência médica: 3 de fevereiro.
— Não trabalhamos com a hipótese de encerramento da
residência médica de um dos hospitais universitários mais importantes do estado
e do país. Enviamos um documento para a comissão explicando que estamos
tentando retomar a normalidade possível neste cenário de crise. O Pedro Ernesto
atendia com 512 leitos. Com a falta de repasses, a direção teve que reduzir o
número para 70 nos momentos mais críticos. Hoje, trabalhando para aumentar a
quantidade para 350 leitos, de forma progressiva, ao longo dos próximos meses.
Acreditamos que a comissão se sensibilizou com o que apresentamos, por isso,
marcamos uma nova data — diz Garcia.
O reitor lembra que o Pedro Ernesto vem recendo repasses
mensais graças a uma medida judicial, obtida pela Defensoria Pública estadual
no ano passado. A verba, de R$ 7 milhões, é usada no pagamento de prestadores
de serviços e na compra de parte dos insumos básicos. Mas, em função dos
atrasos nos salários e bolsas, muitos funcionários e residentes têm faltado por
falta de dinheiro para transporte e alimentação. A redução do número de leitos
ocupados, de 250 para 180, afirma Garcia, foi a maneira de garantir a segurança
dos pacientes.
A luta para manter o atendimento não é diferente no
Hospital do Fundão. A unidade, que conta com cerca de 500 médicos, tem 350
residentes em 48 programas de especialização.
— Em julho de 2017, recebemos uma comissão do MEC que
aprovou nossos programas de residência. Em setembro, uma outra reprovou todos e
nos enviou um relatório genérico, que não especifica o que deve ser mudado.
Temos um orçamento que não é compatível com a importância e a dimensão do
hospital. Vamos apresentar um relatório ao ministério e aguardar uma nova
vistoria — diz o diretor da unidade, Leôncio Feitosa, que assim como o reitor
da Uerj, vê risco de prejuízos para a população e para a formação de médicos.
O presidente do Conselho
Regional de Medicina do Estado do Rio ( Cremerj), Nelson Nahon,
também critica a decisão do MEC:
— Prejudicar a residência só agrava a atual situação da
saúde do estado.
Em nota, o secretário estadual de Ciência, Tecnologia, Inovação e Desenvolvimento Social, Gabriel Neves, lamenta a medida do MEC e afirma que, apesar da grave crise financeira do Rio, “o custeio da unidade está em dia”. Em relação aos atrasos nos pagamentos das bolsas dos residentes, ele argumenta que, de acordo com um cronograma da Secretaria de Fazenda, tudo estará em dia até fevereiro.
Decisão causa apreensão e é criticada por
médicos e bolsistas da Uerj
A notícia da suspensão de novos concursos para residentes
causou, ontem, apreensão no Hospital Universitário Pedro Ernesto. Daniele
Macron, que faz especialização em endocrinologia, criticou a decisão do MEC:
— O maior prejudicado será o paciente. Muitas pessoas,
inclusive de outros municípios, só contam com o nosso atendimento. Estamos com
a bolsa atrasada, mas não faltamos, porque sabemos da importância das nossas
atividades no hospital. E temos professores de excelência aqui.
Dois residentes do serviço de oftalmologia, sem se
identificar, disseram estar preocupados.
— Parece que a ideia é esvaziar o hospital, para diminuir o
repasse de verbas — disse um deles. O outro completou: — Se o MEC for rígido na
fiscalização de todas as residências do estado, vai ter que fechar todas.
O médico Márcio Neves Boia, que leciona no Pedro Ernesto,
engrossou as críticas:
— O hospital oferece formação de excelência e tem décadas
de pesquisas. O que esperamos do poder público é uma defesa do programa de
residentes.