Clipping - Liminar estimula a ‘cura gay’
O Globo / Sociedade
11/12/2017
Conselho Federal de Psicologia aguarda decisão de recurso contra terapia
Ancorados na decisão liminar da Justiça Federal em
Brasília, psicólogos estão aumentando a oferta de terapias no sentido da
“reorientação sexual”. Profissionais que oferecem esse tipo de atendimento
ouvidos pelo GLOBO disseram que a procura nos consultórios aumentou desde 15 de
setembro, quando o juiz federal Waldemar de Carvalho decidiu em favor de 23
psicólogos que ingressaram com a ação popular para poder ofertar essas
terapias.
A resolução do CFP questionada na Justiça estabelece há quase 19 anos normas para atuação dos psicólogos na esfera da orientação sexual. A liminar concedida não derrubou a resolução, mas obrigou o conselho a dar nova interpretação ao texto. Desde 17 de maio de 1990, há 27 anos, a Organização Mundial de Saúde (OMS) deixou de classificar a homossexualidade como patologia e a retirou da Classificação Internacional de Doenças (CID).
SIGNATÁRIOS DA AÇÃO DEFENDEM ‘REORIENTAÇÃO’
Os profissionais que foram à Justiça rejeitam o rótulo de
“cura gay”, mas ofertam a homossexuais caminhos para que alcancem a
heterossexualidade por meio de técnicas que seguem basicamente quatro linhas: a
possibilidade de acabar com a atração por pessoas do mesmo sexo; o poder de
decisão do paciente que não aceita ser homossexual; a ideia de que a
homossexualidade é algo adquirido, não inato; e a visão da homossexualidade
como um processo comportamental. Os psicólogos relatam, por exemplo, que se
baseiam em hipóteses como um abuso sexual na infância e a ausência do pai — com
preponderância da presença da mãe — como determinantes para a homossexualidade.
Esse tipo de iniciativa é considerada uma violência à
dignidade humana por entidades que decidiram se manifestar no processo em que o
CFP recorreu da liminar: Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Defensoria
Pública da União (DPU), Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero
(GADvS) e Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais (ABGLT). Já a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure)
ingressou no processo com argumentos em favor da liminar.
— Essa teoria de “reorientação” incide sobre o comportamento, não sobre o desejo. É uma violência sem tamanho. A intenção de se abandonar uma orientação sexual tem a ver com uma sociedade homofóbica. É antiético por parte dos profissionais oferecer algo nesse sentido. Muitas das pessoas encaminhadas são adolescentes com menos de 18 anos, o que afronta o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — diz o psicólogo Pedro Paulo de Bicalho, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e conselheiro do CFP.
Não é o que pensam os
profissionais adeptos da “reorientação”. Segundo o psicólogo Rafael Monteiro,
especialista em família e casais e um dos signatários da ação popular que
resultou na liminar, a demanda por este tipo de atendimento sempre existiu e,
até a decisão judicial, estava reprimida. Ele diz que a terapia que oferece em
11 cidades do interior do Espírito Santo pode levar à interrupção da atração
por uma pessoa do mesmo sexo. A técnica consiste em “identificar o problema” e
“trabalhar nas questões emocionais envolvidas”, define o psicólogo.
É uma questão de desejo? Ou é social? Trabalhamos a autoaceitação, para se viver a homossexualidade, ou a estabilidade emocional para se viver uma vida heterossexual dentro do almejado. A terapia pode ou não levar ao resultado esperado — diz.
DECISÃO ESTÁ NAS MÃOS DE DESEMBARGADORA
Evangélico, da Assembleia de Deus, o psicólogo Adriano José
Lima, também signatário da ação popular na Justiça, diz que seus atendimentos
em São Paulo incentivam o autoconhecimento dos pacientes.
— Não é um processo de aconselhamento. Se a pessoa não se
sente bem por ter atração por uma pessoa do mesmo sexo, caberá a ela decidir se
leva adiante a escolha de ser gay ou não. É ela que vai se reorientar. A
terapia acolhe o sofrimento. Estou aqui para acolher e caminhar junto — diz
Lima, para quem a fé não influencia seu trabalho. — Tem psicólogo espírita, do
candomblé. Eu sou psicólogo e cristão. A psicoterapia é distinta do que
acredito como cristão. Busco a neutralidade, embora ela seja utópica.
A liminar de setembro determinou que o CFP não interprete
uma resolução do Conselho de 1999 no sentido de “impedir os psicólogos de
promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente
à (re)orientação sexual”. O juiz manteve a decisão em 2 de outubro. O CFP
recorreu contra a liminar no Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região ainda
em setembro. A decisão, hoje, está nas mãos da desembargadora Maria do Carmo
Cardoso. Ela volta de férias esta semana. O processo está concluído para
decisão desde 16 de novembro. Para Bicalho, a Justiça deveria suspender a liminar
o mais rapidamente possível para combater as terapias de “reorientação sexual”:
— Essa liminar produziu equívocos. A resolução se tornou algo estranho: diz que a homossexualidade não é desvio ou doença, mas permitiu-se a “reorientação” sexual. Se a homossexualidade é inata ou não, isso não muda em nada as experiências do sujeito no campo da sexualidade. Esses atendimentos de “reorientação” não podem nem ser chamados de terapia, dada a violência que encerram.