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Clipping - ‘Pessoas estão morrendo’

Extra / Cidade

02/12/2017


Médica chamou atenção ao cobrar de Marcelo Crivella o reabastecimento dos postos de saúde

Médica do Centro Municipal de Saúde (CMS) Nagib Jorge Farah, no Jardim América, Danielle Lopez Pera, de 29 anos, chamou atenção ao cobrar do prefeito Marcelo Crivella o reabastecimento das unidades de saúde, durante um protesto na última quinta-feira. Um vídeo em que ela aparece negando um abraço do prefeito e pedindo que ele olhe pela população do local, “que não tem R$ 3 para comprar dipirona”, em falta no posto, viralizou nas redes sociais. E ganhou apoio. Para ela, o paciente não pode pagar pela crise, seja ela qual for.

 No vídeo, podemos ver que a senhora, emocionada, cobra a atenção de Crivella para a crise e o chama de mentiroso. O que a levou a tomar essa atitude?

Estávamos num protesto e soubemos que o prefeito visitaria a comunidade. Resolvemos nos manifestar, na expectativa de que ele nos ouvisse, se sensibilizasse com a situação que nós estamos passando e que todas as outras unidades básicas de saúde estão passando também. Ele foi muito educado e se prontificou a conversar com a gente. O prefeito colocou o que ele achava que era o panorama da saúde atual (Crivella disse que não há crise na Saúde). Eu rebati algumas coisas. Estava nervosa e emocionada, mas, em momento algum, eu quis ofendê-lo. Foi um relato desesperado de uma pessoa pedindo ajuda, pedindo que ele pudesse ver o lugar em que ele estava, a população que a gente atende e se sensibilizasse com isso de alguma forma.

O que a senhora gostaria que ele soubesse?

A estratégia de saúde da família é a base do Sistema Único de Saúde, é a porta de entrada. E nós temos um papel importantíssimo na prevenção. A gente conhece a casa dos nossos pacientes, a família deles, os vizinhos. E você vê uma pessoa que tem um córrego passando no meio da sua casa e não tem dinheiro para comer. Você diagnostica uma infecção, e a pessoa não tem como comprar um antibiótico.

Como você se sente diante desses pacientes que você não pode medicar?

Eu me dedico há 11 anos para ser médica. Você estuda seis anos e não consegue tirar a dor de uma pessoa. Esse é o desespero. Tenho um paciente com câncer de pulmão que não consegue tratamento porque não tem material para fazer uma punção diagnóstica. Está agonizando de dor. Isso é desesperador. Eu só queria que ele (Crivella) se sensibilizasse. Só isso.

Crivella alegou que há uma crise nas organizações sociais (OSs) que administram as unidade básicas de saúde e não na prefeitura. Podem haver vários motivos, crise das OSs, crise da prefeitura, não sei. Mas, para o paciente que está passando por tudo isso, não importa. Como gestor, queria que ele pudesse ver isso e tentasse resolver. Estamos esperando esses medicamentos há muito tempo. Semana após semana, eu falo: “Volta na semana que vem, talvez tenha chegado”. E não chega. Recebo aqui crianças com febre, e se a mãe não tem dinheiro para comprar? Cansei de comprar dipirona. Mas tenho cinco mil pacientes sob minha responsabilidade, e não dá para fazer por cinco mil.

A senhora negou um abraço do Crivella. Por quê?

Às vezes, falamos de forma agressiva, mas é o desespero. Por favor, olhe para cá! As pessoas estão morrendo, e nós não temos o que fazer. É muito triste ver que tudo que você estudou não faz diferença. Eu me sinto impotente.

Uma crise que só Crivella não enxerga

A gente precisa levar tudo. Não tem fralda, não tem lençol nem cobertor>> Rosângela da Siva Teixeira acompanhante da sogra no Salgado Filho

A esteticista Thaís Almeida chegou ontem de manhã ao Hospital Salgado Filho, no Méier, com um pé torcido. Foi embora com dor e mancando, já que a unidade não tinha sequer uma atadura para imobilização. A emergência, com capacidade para 22 pacientes, estava superlotada com 34 pessoas. A dez quilômetros dali, no Souza Aguiar, no Centro, os problemas se repetiam. Gaze e esparadrapos, itens básicos, estavam em falta. Já no Miguel Couto, na Gávea, pacientes que voltavam para revisão, após passarem por cirurgias, saíam com a lista de medicamentos que precisavam comprar

 — com a farmácia desabastecida, ele não fornece mais os remédios. Essa é penúria que doentes enfrentam todos os dias nos três hospitais municipais que Marcelo Crivella garantiu, anteontem, que funcionam sem problemas. “Souza Aguiar não tem crise, Miguel Couto não tem crise, Salgado Filho não tem crise. Não há crise nos nossos grandes hospitais”, disse o prefeito à médica Danielle, que o interpelou.

Crivella afirmou ainda que a crise é nas organizações sociais contratadas para administrar as unidades básicas de saúde, e não da prefeitura. Nossa equipe, no entanto, percorreu ontem os hospitais citados pelo prefeito e encontrou uma realidade bem diferente. Não são apenas insumos que estão em falta. Não há sequer lençóis para as macas.


Na Barra, mais problemas


Parentes de pacientes contam que a qualidade da comida servida nesses hospitais piorou. Segundo o vereador Paulo Pinheiro, que também visitou ontem as três unidades elogiadas por Crivella, a empresa contratada pela prefeitura para cuidar da alimentação está com o pagamento atrasado há três meses. A consequência, diz ele, é sentida no paladar: — A carne vem dura, servem muita sopa. Segundo Pinheiro, membro da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, para manter o Salgado Filho minimamente abastecido, profissionais de saúde recorrem ao escambo: — Eles trocam com outros hospitais. Quem tem seringa de 20ml dá uma parte para quem tem de 10ml, por exemplo, e vice-versa. Luvas também entram no escambo.

Outros problemas vêm a reboque. Maria Célia Azevedo, de 62 anos, que acompanhava uma paciente internada com problemas renais há duas semanas no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra, disse que faltam até toalhas na unidade.

— Se quiser tomar banho, tem que trazer toalha, porque aqui eles não fornecem. Também há problemas na limpeza, sobretudo nos banheiros. Como pode um hospital, que deveria ser limpo para evitar infecções, conviver com a falta de higiene?

Na emergência do Lourenço Jorge, o único banheiro disponibilizado para funcionários e pacientes não conta nem mesmo com torneira na pia. Além disso, um dos vasos sanitários está interditado há meses.