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Clipping - A crise na saúde que só o prefeito não vê

O Globo / Rio

02/12/2017


Em quatro unidades sob administração direta da prefeitura, há falta de remédios e superlotação

A esteticista Thaís Almeida chegou ontem de manhã ao Hospital Salgado Filho, no Méier, com um pé torcido. Foi embora com dor e mancando, já que a unidade não tinha sequer uma atadura com gesso para imobilização. Toda a situação da emergência era grave. Com capacidade para 22 pacientes, o setor estava superlotado, com 34 pessoas. A dez quilômetros dali, no Souza Aguiar, no Centro, os problemas se repetiam. Gaze e esparadrapos, itens básicos de qualquer farmácia caseira, estavam em falta. Já no Miguel Couto, na Gávea, pacientes que voltavam para revisão, após terem sido submetidos a cirurgias, saíam com uma lista de medicamentos em mãos — eles precisariam comprálos pois a farmácia, desabastecida, não fornecia remédios. O Hospital Lourenço Jorge, na Barra, não tem sequer pia no banheiro que atende a emergência. O quadro de penúria é a realidade dos quatro hospitais públicos sob a administração direta do município.

Anteontem, o prefeito Marcelo Crivella havia garantido que os problemas na rede municipal se limitavam às unidades administradas por Organizações Sociais (OSs), como as Clínicas da Família. Ao ser interpelado pela médica Danielle Pera, que reclamava sobre a falta de remédios no Centro Municipal Nagib Jorge Farah, no Jardim América, na Zona Norte, também sob a tutela de uma organização social, ele foi categórico: “Souza Aguiar não tem crise, Miguel Couto não tem crise, Salgado Filho não tem crise. Não há crise nos nossos grandes hospitais”.

Mas levantamento feito pelo GLOBO revela que os hospitais públicos do município não passam ao largo da crise. Além de insumos simples, como ataduras, que estão em falta, há uma precariedade material que atinge até mesmo o mínimo necessário para abrigar os pacientes nas instalações das unidades. No Hospital Salgado Filho, não há, por exemplo, lençóis para as macas. Os leitos, cobertos por jogos coloridos, deixam claro que os parentes de pessoas internadas providenciam eles próprios a roupa de cama. Ontem, Rosângela da Siva Teixeira levava fraldas e cobertas para a sogra, Zíbia Pacheco Teixeira, de 80 anos, que está há duas semanas no hospital aguardando uma cirurgia.

— A gente precisa levar tudo. Não tem fralda, não tem lençol, nem cobertor. Os médicos são afáveis, mas não conseguem dar conta de tudo — reclamava Rosângela.

Parentes de pacientes comentam que mesmo a alimentação teve piora na qualidade. A empresa que fornece refeições para o Salgado Filho está sem receber há três meses. Segundo o vereador Paulo Pinheiro, que ontem visitou o hospital, além do Miguel Couto e do Souza Aguiar, há muita reclamação. A consequência do atraso no pagamento ao fornecedor é sentida no paladar:

— A carne vem dura, servem muita sopa, muito macarrão.

De acordo com Pinheiro, membro da Comissão de Saúde da Câmara Municipal, para manter o Salgado Filho minimamente abastecido, os profissionais de saúde recorrem ao escambo.

— Eles trocam com outros hospitais. Quem tem seringa de 20ml dá uma parte do seu estoque para quem tem de 10 ml, e vice-versa. Luvas também entram no escambo — relatou, acrescentando que, embora o hospital tenha recebido reforço de medicamentos nos últimos três dias, ainda faltam antibióticos, anti-inflamatórios e anti-hipertensivos via oral.

No Hospital Souza Aguiar, a maior emergência do Rio, uma enfermeira, com mais de 20 anos de casa, conta que não há esparadrapo, gaze e antibióticos. Ela teme que a situação fique ainda pior a partir de janeiro, quando cerca de 400 profissionais irão se aposentar:

— O prefeito diz que não contrata e que não terá OS aqui. Então, prevejo uma situação bastante difícil, pois 400 profissionais de saúde vão se aposentar no início do ano e não há indicação de que serão repostos.

Enquanto mais um problema se avizinha, pacientes convivem com os já existentes. A aposentada Raimunda Nascimento, de 63 anos, pôs um dreno no pulmão no Hospital Souza Aguiar, mas, por falta de vaga na enfermaria, foi internada na superlotada sala verde que, com capacidade para 20 pacientes, ontem abrigava 52. Atropelada há 15 dias, ela também já experimentou as agruras de outra unidade administrada pela prefeitura. Levada primeiramente para o Hospital Lourenço Jorge, na Barra, onde teve as fraturas operadas, ela foi transferida em seguida para o Souza Aguiar porque não havia um especialista para tratar do pulmão perfurado pela costela.

No Lourenço Jorge, aliás, pacientes não sentem falta apenas de especialistas. O único banheiro disponível não tem sequer torneira na pia.

— Dizem que não têm dinheiro para consertar, então fica por isso mesmo — afirma um servente.

A autônoma Verônica Pereira da Silva, que passou por uma operação no intestino, precisou comprar gaze e algodão.

— São os médicos que mantêm este hospital funcionando. A despeito da falta de material, eles fazem o melhor possível — desabafou Verônica.

Ontem, por nota, a direção do Souza Aguiar afirmou que não há falta de medicamentos para pacientes internados. O secretário municipal de Saúde, Marco Antonio de Mattos, disse que pode haver desabastecimentos pontuais:

— Faltar um medicamento ou um insumo num determinado período acontece até em hospital privado.

Em uma rede social, o prefeito Marcelo Crivella anunciou ontem terem chegado os primeiros caminhões com medicamentos e insumos comprados por R$ 100 milhões, no início da semana, para abastecer as unidades municipais de saúde. De acordo com o prefeito, o abastecimento está garantido por três meses.

— Quero tranquilizar a população de que não vão faltar medicamentos, sobretudo para diabetes e pressão — assegurou Crivella.