Clipping - Clínicas da família estão em risco de colapso
O Globo / Rio
14/11/2017
Sem recursos, unidades sofrem com falta de medicamentos e só estão funcionando com 30% das equipes
Ontem pela manhã, funcionários das OSs fizeram
manifestações quase simultâneas em 33 pontos da cidade para denunciar a
situação. Além da falta de pagamentos, em algumas unidades a rotina de
funcionamento já foi alterada para reduzir gastos. Na Rocinha, por exemplo, a
Clínica da Família Maria do Socorro Silva e Souza deixou de abrir aos sábados.
Além disso, nos dias úteis, o horário de fechamento foi antecipado das 20h para
as 18h. Os estoques de anticoncepcionais injetáveis e de remédios para
hipertensão e controle de diabetes estão zerados. A denúncia é da Associação de
Médicos de Famílias e Comunidades do Estado do Rio de Janeiro.
A Rocinha tem pelo menos 2,5 mil pacientes diabéticos que
dependem da medicação. E esse é apenas um exemplo. A nossa reivindicação não é
para que sejam colocados os salários em dia. As unidades correm o risco de
parar por falta de material. E esse é um problema que não se limita às clínicas
da família. Atinge todas as unidades de saúde, inclusive hospitais — disse
Moisés Vieira Nunes, presidente da entidade.
—
NEM PAPEL PARA RECEITAS
Moisés Nunes apresentou outros dados que refletem o caos no
setor. Segundo ele, medicamentos para a pressão alta são uma raridade na rede.
Em quase todas as unidades, falta até papel para imprimir receitas. Nas
clínicas das famílias de Guaratiba e Campo Grande, os profissionais só
receberam o equivalente a 46% dos salários de outubro. A entidade teve ainda
acesso a um relatório emitido pelo almoxarifado da Secretaria municipal de
Saúde que lista dezenas de medicamentos cujos estoques estão zerados ou perto
do fim. Na relação, há de antibióticos a antitérmicos.
O presidente da associação disse que um outro documento
mostra que, na maioria das unidades da Zona Norte, até exames de sangue
rotineiros foram suspensos porque, na semana passada, venceu o contrato da
prefeitura com o laboratório particular que fazia o processamento das análises.
O problema atinge as clínicas da família que atendem moradores de Acari,
Complexo do Alemão, Vigário Geral, Manguinhos e Ilha do Governador, entre
outros bairros.
— Onde trabalho ainda há alguns remédios disponíveis no
estoque. Mas quem procura atendimento das 17h às 20h sai de mãos vazias. Nas
últimas três horas de expediente, a farmácia fica fechada porque falta pessoal
— contou um médico que trabalha numa clínica da família em Guaratiba e pediu
para não ser identificado.
O vereador Paulo Pinheiro (PSOL), integrante da Comissão de
Saúde da Câmara do Rio, disse que obteve informações junto ao Tribunal de
Contas do Município (TCM) de que, até setembro, a prefeitura tinha uma dívida
de R$ 459 milhões com as nove organizações sociais responsáveis por administrar
171 unidades de saúde. Nesta lista, estão incluídas não apenas as clínicas da
família como também 14 UPAs e três coordenadorias de hospitais de emergência,
entre outras unidades de diversas especialidades. Segundo Pinheiro, deste
total, R$ 90 milhões ainda são para quitar despesas do ano passado.
Paulo Pinheiro acrescentou que, desde outubro, a falta de
insumos já provocou o fechamento de leitos e serviços em diversas unidades. No
caso do Hospital Albert Schweitezer, em Realengo, foram cortadas 15 vagas no
CTI. No Hospital Pedro II, em Santa Cruz, 20 leitos de clínica médica e
cirúrgicos também deixaram de estar disponíveis. Na Ilha do Governador, foram
fechados oito leitos do Hospital Evandro Freire. No Méier, o Hospital Salgado
Filho perdeu oito vagas. Em Acari, o Hospital Ronaldo Gazolla deixou de
oferecer 60 leitos e suspendeu cirurgias.
— A crise é provocada pela falta de recursos. E não será
resolvida apenas com a colocação dos salários em dia se os profissionais não
tiverem insumos para trabalhar. A falta de materiais e de medicamentos não se
limita às OSs. E a situação para 2018 não parece muito animadora. Ao todo, o
orçamento previsto para 33 hospitais será menor do que o proposto para este
ano. Além disso, o atraso nos repasses aos fornecedores fará com que parte das
despesas previstas, na verdade, seja para arcar com compromissos de 2017 —
disse o vereador.
Os maiores cortes previstos no orçamento de 2018 em
unidades de emergência são para o próprio Pedro II (R$ 24 milhões a menos) e
Miguel Couto (perda de R$ 20 milhões). Entre os hospitais gerais, a tesoura
atingirá de maneira mais dura o Hospital Ronaldo Gazolla, em Acari (corte de R$
24 milhões). Essa redução de recursos ocorrerá, apesar de a prefeitura ter
anunciado em outubro que reforçaria em R$ 500 milhões o orçamento inicialmente
previsto para a Saúde em 2018. Hoje, o secretário municipal de Saúde, Marco
Antonio de Mattos, participará de uma audiência pública na Câmara dos
Vereadores, para explicar os cortes.
RECURSOS REMANEJADOS
Em nota, a Secretaria de Fazenda informou que já liberou R$
220 milhões em recursos remanejados de outras pastas para a Secretaria
municipal de Saúde. Mas não revelou se há previsão para descongelar os R$ 550
milhões. O órgão informou ainda que, na última sexta-feira, autorizou a
liberação de R$ 60 milhões para colocar em dia os salários dos funcionários das
OSs, mas não definiu a data em que os recursos serão, de fato, depositados, já
que isso depende da conclusão de processos burocráticos. “Os repasses feitos às
organizações sociais obedecem a um calendário estipulado e publicado no Diário
Oficial pela Secretaria municipal de Fazenda. Não haverá fechamento de unidade
de saúde”, informou a nota da secretaria.
O órgão confirmou, no entanto, que há problemas no estoque
de medicamentos e insumos básicos. Segundo a secretaria, as compras estão sendo
feitas com o uso de um crédito de R$ 25,7 milhões liberado no dia 23 de
outubro. Em relação aos serviços laboratoriais na Zona Norte, o órgão afirmou
que fez uma concorrência para escolher um novo fornecedor já que o contrato
anterior venceu. No entanto, o processo de escolha não terminou devido a
problemas com a documentação da empresa vencedora. Por isso, a prefeitura
contratará os serviços de um laboratório por emergência (sem licitação). O
processo deve ser concluído ainda esta semana.