Clipping - ‘Investigação na Saúde vai atingir novo patamar’
O Globo / País
12/11/2017
Quase um ano depois da prisão do ex-governador Sérgio Cabral, o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato no Rio afirma, em entrevista exclusiva, que nova etapa da investigação revelará outros tentáculos da fraude na Saúde.
EXCLUSIVO O coordenador da Lava-Jato no Rio, Eduardo El Hage, revela, em entrevista a JULIANA CASTRO e MARCO GRILLO, que a operação terá novo capítulo na área da Saúde. E diz que, até agora, a investigação atingiu apenas “a superfície” do esquema de Cabral.
Em um ano, o que mais surpreendeu o senhor nas investigações?
O tamanho e extensão da organização criminosa chocaram
bastante. O fato inicial era uma corrupção na reforma do Maracanã, em que
executivos da Andrade Gutierrez relataram uma cobrança de propina de 5%.
Ao longo do tempo, vimos que a organização criminosa se espraiou para todos os setores do governo do estado do Rio, não só na Secretaria de Obras. Inclusive em setores que ainda não vieram à tona?
Sim. A força-tarefa da Lava-Jato no Rio não está nem perto
de chegar ao fim. A gente só fez um arranhão na superfície da organização
criminosa.
Dá para saber o tamanho dos desvios até agora?
É difícil, porque o saque aos cofres públicos foi
monstruoso. O mínimo seria o que foi devolvido pelos irmãos Chebar (delatores):
US$ 100 milhões. Mas, antes da devolução, enquanto o ex-governador estava
solto, muito já tinha sido gasto, então esse valor (desviado) é bem superior. A
gente viu que ele (Cabral) tinha um gasto mensal de R$ 4 milhões com despesas
pessoais. O desvio que foi feito na Secretaria de Saúde é algo que ainda vamos
revelar com mais detalhes. Envolve grandes multinacionais do setor de Saúde,
que fizeram importações fraudulentas com o governo do estado do Rio. Causaram
um dano que a gente ainda vai revelar em próximas fases.
São empresas que vendem os equipamentos?
É algo que não foi restrito ao estado do Rio. Esse é um
esquema de corrupção internacional, que é bastante grave, e a gente está
investigando com bastante cautela e profundidade. Esperamos em breve ter mais
detalhes. Esse esquema na área da Saúde vai levar a investigação para um
patamar internacional, uma vez que envolve diversas multinacionais de renome no
mercado, que atuaram em conluio com a organização criminosa do Sérgio Cabral.
A Lava-Jato prendeu Alexandre Pinto, ex-secretário
de Obras da prefeitura do Rio. A investigação avançou? Em
breve, teremos novos desdobramentos no caso da Rio 40 Graus (que prendeu o
ex-secretário, já solto) e avanços significativos nas investigações. Na área de
Obras da prefeitura? Não posso especificar a área, mas vai haver avanços
significativos. Também em outras áreas? Sim.
O que faltou para que os EUA colaborassem com a
investigação sobre um dos elos mais importantes do esquema, o “Rei Arthur”?
A gente está em contato direto com as autoridades
americanas. Estive em Washington em reuniões com o Departamento de Justiça. A
gente espera que no futuro próximo ele seja extraditado.
Onde ele está?
Nos Estados Unidos. As autoridades americanas sabem (a
localização exata). Houve falha para identificar o esquema, já que funciona
desde 2007? Várias questões favoreceram esse quadro, como o foro privilegiado.
Talvez o maior erro de Sérgio Cabral foi não ter sido candidato em 2014. Se ele
tivesse sido eleito, com certeza absoluta não estaríamos onde estamos hoje.
Outros fatores que não existiam antes e ajudaram foram a lei das organizações
criminosas e da colaboração premiada, que foram passos decisivos para que
investigações avançassem. A população também começou a ver a corrupção como um
dos maiores problemas no país.
Como o senhor vê a notícia de que Cabral fez um
dossiê contra procuradores e o juiz Marcelo Bretas?
Ainda que houvesse uma investigação, ela seria sigilosa, e
eu não poderia comentar.
A Operação Lava-Jato é um caminho sem volta?
Espero que sim, mas talvez não seja. Se as organizações
criminosas se fecharem e adotarem medidas de retaliação contra membros do
Ministério Público e do Poder Judiciário, pode ter volta. Se a sociedade não
ficar vigilante quanto a projetos de lei que estão em tramitação no Congresso
Nacional hoje em dia, pode voltar para pior.
Cabral recebeu a maior pena da Lava-Jato. Significa
que o esquema do Rio é o maior apurado?
Não tenho dúvida que Brasil afora esquemas de corrupção
desse nível também existem. É ingenuidade acreditar que só no Rio existem
desvios de forma sistemática na área da Saúde, Obras... Isso é algo que o
Brasil ainda não venceu, e o Rio, a meu ver, encontra-se na vanguarda da
investigação.
A demora na homologação de delações nos tribunais
superiores é a maior dificuldade?
Sim. Enquanto as colaborações premiadas na primeira
instância têm sido homologadas em poucos dias, nos tribunais superiores as
homologações têm levado meses para acontecer. Isso tem sido um obstáculo
enorme, porque a colaboração premiada é o início da investigação. E se uma
colaboração premiada demora seis meses para ser homologada, a gente tem que
esperar seis meses para iniciar uma investigação que vai durar outros tantos
meses. E, quando a gente está falando em dinheiro em espécie, destruição de
provas, uso de mensagens que se autodestroem, a demora traz um prejuízo
irreparável às nossas investigações.
A corrupção é maior do que a capacidade de
investigar?