Clipping - No leito da agonia
O Globo / Rio
19/10/2017
Hospital sofre com a superlotação, e rede básica está sem 67% da lista de medicamentos
Além da superlotação, pacientes da rede municipal de saúde
do Rio enfrentam falta de insumos e medicamentos nos 329 centros de atendimento
e clínicas da família. Dos 175 itens da lista básica, entre analgésicos,
antitérmicos e anti-inflamatórios, 118 estão em falta, revela
Há unidades até sem álcool. Com dificuldades de se
movimentar e desorientado, o aposentado José de Aguiar, de 88 anos, peregrinou
na manhã de anteontem por quatro horas até conseguir ser atendido no Hospital
Municipal Salgado Filho, no Méier. Ele foi recusado no Hospital Estadual Carlos
Chagas, em Marechal Hermes, e nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de
Ricardo de Albuquerque e de Madureira. Diante do diagnóstico de acidente
vascular cerebral, o paciente conseguiu a 101ª vaga na superlotada emergência
do hospital, que tem capacidade para apenas 36 doentes.
— O meu pai com AVC, e eu tive que passar por tudo isso.
Gente, cadê o dinheiro dos meus impostos? O meu pai não é bicho. Eu pago
imposto, sou uma contribuinte — desabafa Marilândia Guimarães, de 61 anos,
filha do aposentado.
O idoso foi levado para a sala vermelha, onde ficam os
doentes em estado muito grave. No setor, há quatro vagas, mas José foi o décimo
paciente internado. As salas amarelas, uma para homens e outra para mulheres,
também estavam superlotadas. A demanda por atendimento é tão grande que os
pacientes também ocupam o corredor principal da emergência, onde a equipe do
GLOBO contou 18 pacientes. Havia desde vítimas de AVC até quem aguardava a
cirurgia para a retirada de pedra da vesícula. O caos do setor pode ser
percebido até mesmo na falta de roupa de cama para os doentes.
Mas o drama de quem depende da saúde pública não para por
aí. Uma médica que estava de plantão contou que constantemente falta material
básico, como algodão e luvas:
Esse paciente (o aposentado José de Aguiar) não é da área
do Salgado Filho, mas o hospital não pode se negar a atender. Os hospitais
estaduais estão em condições precárias, e o resultado é a superlotação aqui.
Enfrentamos aqui uma operação de guerra, o que só é possível graças à dedicação
dos funcionários.
ALÉM DA SUPERLOTAÇÃO, FALTAM INSUMOS
Membro da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores do Rio,
o vereador Paulo Pinheiro (PSOL) esteve terça-feira no Salgado Filho e
constatou a falta de 56 itens no hospital, como álcool em gel, álcool etílico,
sabonete para banho dos pacientes e o antibiótico ciprofloxacino. O estoque de
agulhas para coletar sangue, algodão ortopédico e comum, lâminas de bisturi,
fralda descartável e cateter venoso também estava zerado.
— A falta de insumos é
grave porque, como a prefeitura suspendeu o pagamento aos fornecedores este
mês, as empresas que têm valores a receber do município não querem mais
entregar material — disse o vereador.
O problema não fica restrito ao Salgado Filho. A prefeitura
admitiu ontem que faltam medicamentos nas 329 unidades da atenção básica
(clínicas da família e centros municipais de saúde). Dos 175 itens da lista
prevista para oferecer aos pacientes, 118 estão em falta, o que equivale a
67,3%. São analgésicos, antitérmicos, anti-inflamatórios e antibióticos. Em
nota, a Secretaria municipal de Saúde afirmou que já solicitou “toda prioridade
na liberação de recursos para a aquisição de medicamentos e insumos, sob
análise das comissões fiscais da Secretaria municipal de Fazenda”.
A agonia na rede municipal não tem remédio a curto prazo. A
prefeitura enviou para a Câmara dos Vereadores um orçamento para a saúde em
2018 de R$ 4,97 bilhões, o mesmo patamar de 2016. Este ano, o setor sofreu um
contingenciamento de R$ 546 milhões dentro do orçamento previsto de R$ 5,46
bilhões, segundo dados compilados pelo gabinete da vereadora Teresa Bergher (PSDB):
— Vejo com muita preocupação a situação para 2018, porque
já temos um contingenciamento de quase R$ 600 milhões que vai continuar para o
ano que vem. A saúde está no CTI. Já estamos passando por uma crise séria que
tende a se agravar e se acentuar. Há uma tendência de um sistema que hoje é
ruim se tornar falido no próximo ano.
O cenário do setor da Saúde fica ainda mais claro quando
analisados os orçamentos para os grandes hospitais municipais, que já começam a
cancelar cirurgias eletivas, segundo o vereador Paulo Pinheiro. Para 2018, o
Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro, terá seu o orçamento reduzido de R$
257 milhões para R$ 209 milhões, uma redução de 18%. O corte no Miguel Couto,
na Gávea, será R$ 33 milhões, passando dos atuais R$ 199 milhões para R$ 166
milhões. O Salgado Filho poderá perder R$ 9,3 milhões (de R$ 171,8 milhões
passaria para R$ 162,5 milhões). Os dados estão no Projeto da Lei Orçamentária
Anual, elaborado pelo Poder Executivo.