Clipping - ‘A certeza do diagnóstico ainda é muito lenta e centralizada’
O Globo /
16/01/2017
Coordenadora da Plataforma
Institucional de Biodiversidade e Saúde Silvestre da Fiocruz, especialista diz
que o surto de febre amarela pode ser contido, mas é preciso agir com rapidez
Para conter o surto de febre amarela em Minas Gerais, onde
o governo investiga 38 mortes, é preciso agir rapidamente, afirma a bióloga
Márcia Chame, da Fiocruz. Segundo ela, as vacinas estão sendo entregues, mas
ainda há demora para confirmar o diagnóstico da doença, o que dificulta o
combate. O ministro da Saúde disse que o quadro é de alerta, mas assegurou que
a situação “está sob controle”. Bióloga e pesquisadora da Fundação Oswaldo
Cruz, Marcia Chame acha que a devastação ambiental da Bacia do Rio Doce,
agravada pela tragédia de Mariana, em 2015, pode ter contribuído para o surto
de febre amarela em Minas Gerais, onde 38 pessoas morreram com sintomas da
doença. Segundo a especialista, o controle da situação depende de rapidez. “As
vacinas estão sendo entregues, mas a certeza do diagnóstico ainda é muito lenta
e centralizada”. Dos 133 casos suspeitos em Minas, 20 são considerados
prováveis; entre os 38 óbitos, dez são prováveis. Mas nenhum diagnóstico foi
concluído.
O
governo do Espírito Santo gerou alerta ao identificar 80 macacos mortos com
suspeita de febre amarela. Por que isso pode ser um anúncio do surto em
pessoas?
Assim como as pessoas, os macacos são suscetíveis ao vírus
da febre amarela. No entanto, algumas espécies, em particular os macacos do
gênero Alouatta, conhecidos como bugio, guariba ou barbado, são extremamente
sensíveis ao vírus, e a maioria morre. Desta forma, quando observamos macacos
doentes ou mortos em áreas de florestas ou arborizadas perto de zonas rurais ou
urbanas, há indicativo importante a ser investigado. É um alerta para que municípios
e pessoas se mantenham atentos.
Conter
o surto é possível? Quais as medidas mais urgentes neste momento?
Por diversas vezes, desde o século XIX, os surtos vêm sendo
contidos. É importante ressaltar que dispomos da vacina de febre amarela que é
segura e eficaz a partir do décimo dia após a aplicação. A Fiocruz já
disponibilizou mais de nove milhões de doses ao Ministério da Saúde, em
dezembro e janeiro, e há mais vacinas em fabricação. No entanto, conter um
surto não é fácil e requer muita organização e rapidez, equipes de vigilância
atentas, treinadas e com suporte agregado de mobilização, laboratórios de
referência para o diagnóstico com capacidade técnica, equipamentos e materiais
para as análises. O diagnóstico assertivo e rápido é o ponto central das ações
para o controle. Somada a essas necessidades, obviamente, está a capacidade do
SUS de acolher e tratar as pessoas.
Como
analisa o que vem sendo feito?
O Ministério da Saúde dispõe de todo o conjunto de ações
que devem ser tomadas. As equipes de vigilância dos estados, na sua
possibilidade, estão no campo com o apoio da equipe de arboviroses do
ministério. As vacinas estão sendo entregues ao governo federal e aos
municípios em estado de alerta. Mas a certeza do diagnóstico ainda é muito
lenta e centralizada, o que dificulta ações mais rápidas. O Brasil dispõe de
instituições de pesquisa com capacidade de atuar, como a Fiocruz, que está à
disposição com todos os seus laboratórios e especialistas.
Qual
a gravidade do quadro agora?
A expansão da febre amarela para áreas onde não há
cobertura vacinal e onde se julgava improvável que o vírus poderia se dispersar
é a maior preocupação. Além disso, os especialistas apontam o risco para nova
entrada do vírus nas áreas urbanas, uma vez que o Aedes aegypti é também
transmissor da febre e ocorre em alta densidade nas cidades.
Por
que há hipótese de relação com a tragédia de Mariana? Como isso pode ser
comprovado?
A degradação ambiental é um dos componentes que chamam a
atenção nas áreas de surtos fora da região amazônica; e fora dela, a destruição
dos ecossistemas no Brasil é assustadora. A Bacia do Rio Doce, onde iniciaram
os surtos em Minas Gerais, já é impactada há muitos anos. A tragédia de Mariana
é mais um fato. Assim, os estudos em andamento para avaliação do impacto da
tragédia devem incorporar o monitoramento da saúde silvestre como elemento
fundamental da vigilância da emergência de zoonoses (doenças que são
transmitidas entre animais e humanos) conhecidas e desconhecidas na região. Só
os estudos poderão comprovar.
O
verão contribui para o quadro?
Estudos mostram a relação das chuvas com o aumento da
população de mosquitos, já que ovos, larvas e pupas precisam de água para se
desenvolverem, e temperaturas mais altas são indicativos de maior transmissão
do vírus. Mas é possível que outros parâmetros climáticos também componham esse
quadro.
Qual
a diferença entre os vírus silvestre e o urbano da febre amarela? E seus
vetores?
Alguns tipos de vírus de febre amarela circulam no Brasil e
variam de acordo com a região e também com a entrada de tipos originários dos
outros países da América do Sul, mas não circulam nas cidades brasileiras. No
Brasil, os vetores do vírus da febre são mosquitos de algumas espécies dos
gêneros Haemagogus e Sabethes que têm preferência por sangue de macacos, mas
usam sangue humano como segunda opção.
O
Rio deve entrar em alerta? E as demais regiões do país?
Como o vírus vem se dispersando por regiões onde não havia
essa previsão, parece responsável que todos os estados mantenham suas equipes
atentas, monitorando a morte de macacos, e prontas para atuação se necessário.
A
vacinação é indicada e disponível a todos? Repelentes são eficientes?
A vacinação é o meio mais eficaz e permanente e, por isso,
pessoas que vivem nas áreas endêmicas, nas áreas rurais próximas a florestas,
pessoas que usam as florestas como ambiente de trabalho (ecoturismo,
extrativistas e outros) devem estar vacinadas. Viajantes para áreas endêmicas
ou vindos dessas áreas também devem estar vacinados. Repelentes podem ser
utilizados por pessoas não vacinadas, mas nem sempre são eficientes a todas as
espécies de mosquitos e por tempo prolongado.