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Clipping - Cientistas de renome criticam cortes a pesquisas no país

O Globo /

09/01/2017


Os cortes de recursos para pesquisas no país são reflexo da crise financeira que começou a se agravar em meados de 2015, mas a instabilidade de investimentos é algo histórico na produção de conhecimento no país. Para alguns dos principais cientistas brasileiros em atividade, os obstáculos do setor são consequência da ausência de políticas públicas de longo prazo.

Conforme mostrou O GLOBO, ontem, um levantamento que ouviu as opiniões de cem membros da Academia Brasileira de Ciências (ABC) expõe o descontentamento com a perda de respaldo e reconhecimento público, a dificuldade de conseguir insumos para pesquisas e a baixa captação de talentos do exterior.

Para pesquisadores de renome como a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, o matemático Artur Ávila e o físico Luiz Davidovich, o poder público ainda pensa a curto prazo, sem transformar a construção de saber em política de Estado.

Em maio de 2016, Suzana fechou seu laboratório na UFRJ e se mudou para a Universidade Vanderbilt, em Nashville, nos EUA. Sua saída gerou polêmica na academia — colegas chegaram a chamá-la de “desertora”.

— Tive a sorte de ser convidada a deixar o país a tempo. Aqui, minha produção vai muito bem, obrigada — diz ela. — A concordância com a lógica do “ficar e lutar a qualquer preço” só faz com que o sistema permaneça falido. Cientista não é mártir.

Único brasileiro a receber a Medalha Fields, considerada o Prêmio Nobel da matemática, o pesquisador Artur Ávila sublinha a carência de programas científicos duradouros:

— Continuidade é um processo fundamental para a ciência. Como convencer um jovem a participar de um projeto pessoal longo e difícil, quando o governo sinaliza que pode sacrificá-lo em nome de pequenas economias? — questiona Ávila, que é diretor do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França e pesquisador do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), no Rio.

 

VACAS MAGRAS E TECNOLOGIAS OBSOLETAS

 

O físico Paulo Artaxo Netto, professor da USP e um dos cientistas mais influentes do mundo segundo a consultoria Thomson Reuters, avalia que, devido à crise financeira e à falta de planejamento, a ciência brasileira vai retroceder nos próximos dois anos:

— Esta é uma época de vacas magras — lamenta o professor do Instituto de Física da USP. — Além da redução dos recursos, vemos que o governo não tem qualquer compromisso com o progresso tecnológico. Basta ver a diminuição das agências de fomento à ciência.

Desde o agravamento da penúria econômica nacional, em 2015, programas federais e estaduais de incentivo à pesquisa vêm sofrendo cortes e atrasos de pagamentos. Segundo a ABC, tomando por base o orçamento aprovado para 2017, o ano vai ser de ainda mais dificuldades

Para Luiz Davidovich, professor do Instituto de Física da UFRJ e presidente da ABC, o bom momento econômico no início da década de 2010 alçou a pesquisa nacional a postos de destaque, mas faltou o estabelecimento de uma política pública duradoura, o que colaborou para a situação atual dos laboratórios brasileiros.

— Com o início da recessão econômica, faltaram recursos para nossa área, e a tecnologia com que trabalhávamos tornou-se obsoleta. E, com a redução das bolsas de estudo, perdemos a oportunidade de atrair jovens empreendedores.

O curto momento de euforia econômica não permitiu que o país suprisse dificuldades históricas. Segundo a ABC, o Brasil tem cerca de 710 cientistas por milhão de habitantes. É um índice irrelevante, se comparado à média de 7.600 cientistas por milhão de indivíduos observada nos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

De acordo com dados de 2013 — os mais recentes, segundo o governo federal —, o Brasil dedicava à ciência 1,24% do PIB. É um índice bem menor do que em nações desenvolvidas. Na Coreia do Sul, o setor recebe 4,1% da receita nacional. Nos EUA, são 2,7%. Mesmo assim, o Brasil está em situação melhor do que a Argentina (0,58%), o México (0,5%) e outros países na América Latina.

O país está distante das metas traçadas em uma conferência realizada em 2010 que reuniu o governo federal e representantes da iniciativa privada. No encontro, projetou-se que, em dez anos, o setor de pesquisa receberia entre 2% e 2,5% do PIB. No entanto, um documento publicado em julho de 2015 pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) calculou que, em 2020, o Brasil destinará apenas 1,35% de sua receita a este setor.

De acordo com o índice Scopus, o Brasil é a 13ª nação com maior produção de pesquisas. No entanto, cai para a 23ª posição quando se considera o “impacto” dos trabalhos (quantas vezes eles são mencionados em outros artigos). Esta é a principal medida de relevância da produção de ciência em cada país.

Ministro da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab atribui a crise no setor à depressão econômica. Em duas entrevistas ao GLOBO, no fim de 2016 e na semana passada, oscilou entre um tom negativo e outro otimista.

— Qualquer centavo a mais é bem-vindo. Todos os ministérios estão preocupados com os cortes em pesquisa. As atividades da pasta foram muito reduzidas ao longo dos últimos seis anos. Agora, começamos a viver uma recuperação. Nossa meta é destinar até 2% do PIB à ciência, tecnologia e inovação — afirma, sem anunciar um prazo. — Mas é importante que a comunidade reconheça que, ao longo de 2016, nossa situação econômica melhorou, em relação às ações dos últimos seis anos.